quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O IMAGINÁRIO SOBRE A NAÇÃO E O ESQUECIMENTO DAS ETNIAS

Necessitamos viver em comunidade
Enquanto seres humanos, necessitamos viver em comunidades, para nos sentirmos fazendo parte de grupos sociais. A busca de uma identidade cultural é importante para que nos sintamos pertencentes a algo. Ao longo da história, diferentes grupos sociais interagiram uns com os outros, convergindo e transformando-se em comunidades híbridas, ou seja, formadas por uma mescla de culturas. A globalização, atualmente, é responsável por uma troca de informações que nos possibilita conhecer muito de um lugar sem nunca ter estado nele, bem como identificar traços de uma cultura a qual também não fazemos parte, facilitando essa hibridação cultural. No entanto, o que percebemos é que há uma tendência de se entender a noção de patrimônio nacional como algo “puro”, perseguindo aqueles traços culturais “típicos” e “genuínos” de nossa “verdadeira” cultura.

Somos multiculturais
Essa hibridação reverbera em tensões no campo do patrimônio cultural e da noção de identidade nacional, uma vez que nem sempre aquilo que é considerado como patrimônio realmente representa os cidadãos que fazem parte daquele lugar. Para Anjos (2008), o Brasil é uma nação multicultural e não podemos pensar de outra forma, pois ao longo de sua história, ele se constituiu através do cruzamento de diversos povos, pois passou por um período de escravidão, virou destino de várias etnias, além de já estar habitado pelos índios, seus reais descobridores. O autor ressalta que:


Uma nação se unifica pela sua cultura política, pela possibilidade de promover as diferenças culturais e pelo grau que essa integração dos diversos grupos permite aos indivíduos se projetarem nos espaços nacionais abertos. Isto é, os indivíduos precisam estar incrustados nas suas culturas, e estas protegidas, para que eles possam também se lançar e promover uma cultura política nacional. (ANJOS, 2008)

Cabe aqui lembrar de que modo se estabelece uma identidade cultural. Conforme Hall (1999), a identidade é algo formado ao longo do tempo por meio de processos inconscientes, ou seja, não é algo que nasce conosco, pois a construímos através de nossas experiências e perspectivas. O autor ressalta que esse processo ocorre sob a influência de ideais imaginários ou fantasiosos. A identidade, nesse sentido, está sempre em construção, sendo inadequado falarmos em termos de uma identidade pronta, pois, para o autor, deveríamos falar em um processo de identificação.

Stuart Hall
A construção dessa identidade é caracterizada pela busca de características e modos de vida típicos de nossa nação, sendo que esse processo é caracterizado pela escolha de determinadas características em detrimentos de outras. Como afirma Hall (1999), “[...] não importa quão diferentes seus membros possam ser em termos de classe, gênero ou raça, uma cultura nacional busca unificá-los numa identidade cultural, para representá-los todos como pertencendo à mesma e grande família nacional.”

As características que compõe essa identidade cultura da nação, por sua vez, estão intimamente ligadas ao nosso processo histórico. No contexto do Rio Grande do Sul, por exemplo, podemos citar a diferença de tratamento dado às etnias que compuseram sua história. Conforme Anjos (2008), quilombolas e indígenas foram povos que não tiveram tantas oportunidades quanto os eurodescentes, tais como italianos e alemães, pois esses últimos foram beneficiados por políticas afirmativas promovidas pelo governo, que lhes ofereceu terras. Conforme o autor, esse processo fez com que, hoje, a elite gaúcha seja formada em grande parte por descendentes de italianos e alemães.


Roberta Gomes
Mas o que essa diferença de tratamento tem a ver com identidade? A questão é que a desvalorização de determinadas etnias – em geral, as pertencentes às culturas populares – faz com que elas também sejam esquecidas no momento de definir quais são os símbolos, signos, tradições e monumentos que representam a identidade da nação. Percebemos que esse esquecimento – ou desvalorização – de algumas etnias também está presente no âmbito porto-alegrense, em que damos pouco destaque – provavelmente por desconhecimento - às contribuições dos negros na configuração cultural da cidade. Como nos informa Gomes (2012, p. 38):

O processo de colonização do Brasil, pautado no latifúndio, na monocultura e no trabalho escravo, levou ao silenciamento da cultura negra enquanto partícipe da identidade culturas de Porto Alegre, sendo colocada em desvantagem diante de ditas culturas hegemônicas, relacionadas comumente às representações europeias.

Livro "Turismo e Cidadania: a Redenção
das Africanidades em Porto Alegre"
de Roberta Fraga Machado Gomes

O que devemos perceber aqui é que há um paralelo entre o esquecimento de traços e contribuições de determinadas etnias e a construção da identidade nacional. Mais objetivamente, entendemos que a busca por uma identidade nacional única, pura, homogênea e conveniente resulta no esquecimento de etnias minoritárias. Nesse contexto, cabe aos profissionais que trabalham com cultura, identidade e patrimônio – especialmente museólogos e museotecários – a função de pesquisar e buscar compreender quais realmente são os traços e características da cultura a qual desejam representar, sendo que o seu trabalho talvez nunca seja perfeito, pois, como citado anteriormente, o patrimônio é um campo rodeado por tensões.

REFERÊNCIAS

ANJOS, José Carlos Gomes dos Anjos. Adverso 154, [Porto Alegre?], fev. 2008. Entrevista concedida a Maricélia Pinheiro.

GOMES, Roberta Fraga Machado. Turismo e Cidadania: a Redenção das africanidades em Porto Alegre. Porto Alegre: Bestiário, 2012.


HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-modernidade. 3. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.