quarta-feira, 27 de novembro de 2013

SOCIEDADE INTERATIVA, MUSEUS INTERATIVOS



É comum percebermos um distanciamento entre alguns museus e seu público, sendo que, provavelmente, uma das principais causas para esse fato seja a imagem que essas instituições têm perante a sociedade. Muitas pessoas ainda entendem os museus como lugares de coisas antigas, em que se guardam objetos sem uso e que possuem um valor agregado apenas simbólico, mas que já não fazem sentido perante o tempo em que vivemos. Outro motivo que pode levar as pessoas a não gostarem de frequentar museus é a sensação de distanciamento dos objetos, que, de modo geral, não podem ser tocados e servem para serem observados de maneira silenciosa e pensativa. No entanto, o contato apenas visual pode parecer muito chato, se levarmos em conta que, no mundo contemporâneo, gostamos de interagir com tudo e com todos a todo o momento! Nesse contexto, surge uma tipologia de museus que faz cair por terra a má fama dessas instituições: os museus interativos.

O Museu de Ciências e Tecnologia (MCT) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) é um exemplo de museu interativo. Este museu, através do amplo uso de tecnologias, propicia uma série de sensações que, de outra forma, provavelmente jamais poderíamos sentir:

Saber mais sobre os antepassados do homem, simular eclipses, voltar à era dos dinossauros. Observar um vulcão em erupção, um modelo tridimensional de DNA e seres microscópicos. Testar sua força, seu equilíbrio, sua elasticidade e sua velocidade. Aprender mais sobre como viver em harmonia com a natureza. Caminhar sobre uma tabela periódica gigante, testar seus reflexos na direção de um veículo. Assistir a documentários científicos em 3D e arrepiar os cabelos em um show de eletrostática. No Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS o visitante é convidado a ser o protagonista de seu próprio aprendizado. (MUSEU..., 2013)

Entrada do Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS


O sucesso do MCT é visível pelas suas estatísticas, uma vez que, no período de outubro a dezembro, o museu contabiliza a circulação de aproximadamente 2000 pessoas por dia. Para que tenhamos noção das atividades desenvolvidas no museu, segue algumas fotos tiradas por mim, Luis Fernando, na visita ao museu realizada no dia 21 de novembro de 2013, como atividade da disciplina de Museologia no Mundo Contemporâneo.





Por fim, é bom destacarmos a nobre faceta do museu, ao difundir à população os conhecimentos científicos desenvolvidos pela PUCRS. A popularização da ciência é uma questão que vem sendo tratada nos últimos anos dentro das maiores universidades do país. Em um país onde poucas pessoas ainda possuem acesso à universidade, a atuação de um museu que aproxima os feitos científicos da população pode desempenhar um papel primordial na construção da sociedade que queremos.


REFERÊNCIAS

MUSEU de Ciências e Tecnologia PUCRS. [Site institucional]. Porto Alegre, 2013. Disponível em : < http://www.pucrs.br/mct >. Acesso em: 21 nov. 2013.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

AS FESTAS POPULARES E A INTERNET NA DIFUSÃO DA ETNICIDADE

O artigo Festas Étnicas, Memória e Patrimônio Cultural: informações sobre a Oktoberfest nos sites oficiais de divulgação do evento, de Valdir Jose Morigi, Maria Madalena Zambi de Albuquerque e Luis Fernando Herbert Massoni aborda a Oktoberfest, festa popular de origem germânica. O texto destaca as relações entre a festa, produto da cultura popular, e a cultura midiática, representada através dos sites oficiais de divulgação das Oktoberfest das cidades de Blumenau (Santa Catarina) e Santa Cruz do Sul (Rio Grande do Sul). Os autores partem dos pressupostos teóricos da cultura popular e discutem a forma como a etnicidade é tratada nos sites de divulgação do evento. O estudo foi realizado durante o primeiro semestre de 2013, guiando-se pela análise de quatro categorias de elementos étnicos: personagens, acontecimento, enredo e cenários da festa.

Oktoberfest Santa Cruz do Sul
Oktoberfest Blumenau
Com relação às personagens, os autores identificaram que há referências à etnicidade alemã em diversas fotografias nos sites dos eventos. Encontramos as primeiras marcas étnicas das personagens nas logomarcas das festas, as quais percebemos o chapéu, na festa de Blumenau e toda a família alemã vestida à caráter representada na oktoberfest de Santa Cruz do Sul. O texto atenta para os laços familiares pertencentes à segunda logomarca, a qual se percebe  a família do Fritz e da Frida.

No que tange aos acontecimentos, os autores percebem que em ambos os sites há a explicação acerca das origens do festejo, em Munique, na Alemanha. A festa é composta por uma série de eventos, tais como as competições de tiro ao alvo e a escolha da rainha da festa. O artigo discute a união entre cultura popular e cultura de massa, ao identificar, no site da Oktoberfest de Santa Cruz do Sul, a presença de artistas com ritmos musicais diferentes, que não pertencem aos grupos folclóricos tipicamente germânicos, como O Rappa, Luan Santana, Latino e Naldo. Esse entrelaçamento de culturas e ritmos remete à noção de cultura híbrida, já discutida nas aulas de Museologia no Mundo Contemporâneo, em que há a presença de duas culturas interagindo em um mesmo espaço. O hibridismo cultural é caracterizado pela confluência de culturas, que já não são mais originais, tendo se modificado com o tempo e com as interações com outras culturas. É interessante destacar que essa cultura híbrida não se desenvolve de maneira linear e igual nas duas cidades, pois o site de Blumenau dá maior ênfase às características étnicas da festa, enquanto que o site da festa de Santa Cruz do Sul abre espaço para elementos exteriores, advindos da cultura midiática.

No que se refere ao enredo da festa, os autores buscaram identificar os temas abordados por ambas as celebrações. Embora a Oktoberfest seja por si só temática, cada ano há um tema específico tratado. No ano de 2013, os temas abordam com bastante força os elementos que se referem à origem étnica germânica das festas. O tema do festejo de Bluemenau é “30 anos da maior festa alemã brasileira” e de Santa Cruz do Sul é “Festejando Nossas Tradições”.

Por fim, com relação ao cenário da festa, o artigo aponta que há, em ambos os sites, referências à arquitetura germânica das cidades de Blumenau e Santa Cruz do Sul. Em Blumenau, especificamente, descobrimos a referência ao estilo “enxaimel”. O cenário da festa, como apontam os autores, também é marcado pelas danças e músicas, sendo que ambos os ambientes virtuais possibilitam ao visitante navegar pelos links enquanto ouve as músicas que embalam as festas. Além desses elementos, o cenário da festa também é composto pelos desfiles de carros alegóricos e a comida.
Arquitetura Enxaimel
Especificamente com relação à comida, o texto nos apresenta alguns alimentos tipicamente alemães, como o Kassler, o Eisbein e o Marreco Recheado. No entanto, como apontado pelos autores, nada representa tão bem a Oktoberfest como o chope. A respeito do chope, cabe destacar o hibridismo cultural identificado pelos autores em uma das fotografias, na qual divisamos um brinde entre dois canecos de chope, sendo que as suas espumas são das cores da bandeiras da Alemanha e do Brasil. Essa fotografia, conforme os autores, representa a união entre as duas culturas.

Brinde Representando o Hibridismo Cultural da Festa

PONTOS FORTES, PONTOS FRACOS E DESAFIOS

Um ponto forte que percebemos nesse uso da internet para a divulgação da festa é que ela ajuda a romper barreiras espaciais, pois aquela cultura, que até então era restrita a um local específico – a cidade –, passa a possuir uma abrangência global, ao poder ser acessada por qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo. Esse fenômeno causa um maior conhecimento da festa que, consequentemente, gera maior conhecimento sobre a etnia. O alcance global da etnia representa, indiretamente, uma oposição em relação ao mundo em que vivemos, cada vez mais americanizado.

Um ponto fraco que podemos identificar na relação que se estabelece entre a internet e o patrimônio cultural e a memória é que muito comumente, como no caso das Oktoberfest, o ambiente virtual é utilizado para prospecções financeiras. Identificamos, por exemplo, uma espetacularização da etnia germânica, utilizada para chamar atenção dos turistas, que comparecem à festa buscando contato com aquela cultura, querendo ver as pessoas de peles claras, com roupinhas pré-definidas, dançando alegremente ao som dos ritmos típicos de sua cultura, tudo envolta em um ambiente de exploração das características étnicas.

Podemos acreditar que um grande desafio do profissional que trabalha com cultura, memória e patrimônio é saber articular com essas relações entre as diferentes culturas, identificando o que realmente faz parte do escopo cultural de determinado grupo social ou etnia. Para tanto, torna-se necessária a realização de muita pesquisa, sensibilidade e compreensão da cultura com a qual estamos trabalhando.

REFERÊNCIAS

MORIGI, Valdir Jose; ALBUQUERQUE, Maria Madalena Zambi; MASSONI, Luis Fernando Herbert. Festas Étnicas, Memória e Patrimônio Cultural: informações sobre a Oktoberfest nos sites oficiais de divulgação do evento. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIAS DA INFORMAÇÃO, 14., 2013, Florianópolis. Anais eletrônicos... Florianópolis: UFSC, 2013. Disponível em: < http://enancib.sites.ufsc.br/index.php/enancib2013/XIVenancib/paper/viewFile/61/382 >. Acesso em: 8 nov. 2013.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

MUSEUS E MUSEÓLOGOS ACESSÍVEIS

Este texto é inspirado na palestra proferida por Anajara Carbonell no dia 31 de outubro de 2013, no Auditório 1 da FABICO/UFRGS, na disciplina de Museologia no Mundo Contemporâneo. Busca responder à questão: Quais os desafios para os futuros profissionais de museus pensar a acessibilidade dos espaços culturais no Mundo Contemporâneo?

Acessibilidade
A informação e a cultura tornam possíveis a cada cidadão construir conhecimentos e desenvolver crítica e autonomia, sendo isso viável apenas quando há democracia presente no seu acesso. Qualquer pessoa tem potencial e capacidade para amar, criar, educar, interagir e transformar, sendo apenas necessário que o meio ao qual está inserida seja acessível, lhe oferecendo um ambiente adequado e, principalmente, que as pessoas a sua volta tenham enraizado dentro de si a noção de como é importante a participação daquele cidadão e de como ele pode fazer a diferença. Nossa história está repleta de exclusão, preconceitos e barreiras, já está na hora de incluirmos.

Nesse contexto, surge a preocupação de que nos museus, vistos como locais de interação humana e disseminação de conhecimentos e cultura, a acessibilidade esteja presente como uma questão de planejamento, levada em consideração antes de cada tomada de decisão. A acessibilidade, no Brasil, deixou de ser apenas uma questão de bom-senso, no sentido de que, se antes era tratada de forma superficial e apenas por uma parcela da população que demonstrava interesse pelo assunto, hoje é vista como uma questão oficialmente pública, como mostra o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência:

O Brasil tem avançado na implementação dos apoios necessários ao pleno e efetivo exercício da capacidade legal por todas e cada uma das pessoas com deficiência. Ou seja, cada vez mais nos empenhamos na equiparação de oportunidades para que a deficiência não seja utilizada como motivo de impedimento à realização dos sonhos, dos desejos, dos projetos, valorizando e estimulando o protagonismo e as escolhas das brasileiras e dos brasileiros com e sem deficiência. (BRASIL, 2011, p. 2).

A acessibilidade, em linhas gerais, se subdivide em:
a)     Arquitetônica: relacionada a um espaço sem barreiras ambientais e físicas em todos os recintos internos e externos;
b)      Mobiliário e Equipamentos: relacionada à segurança e acesso autônomo e independente das pessoas;
c)      Comunicacional: compreende o uso de comunicação visual, sonora e tátil;
d)      Informacional: compreende o acesso às informações.

Santander Cultural
Umas das questões mais complicadas ao tratarmos a acessibilidade no caso dos museus é que muitos desses espaços encontram-se instalados em prédios tombados pelos órgãos competentes. Essa condição impede a modificação estrutural do ambiente, dificultando tornar acessível aquele espaço. Alguns museus adotam estratégias alternativas, como o Santander Cultural, em Porto Alegre, que possui uma entrada lateral. No entanto, pode haver críticas com relação a essa prática, pois algumas pessoas poderiam se sentir incomodadas em ter que entrar por esse acesso, acreditando que todos devem acessar o prédio pela porta da frente.

Encontramos em muitos museus a falta de mobiliário adaptado, tanto para o desenvolvimento de suas atividades administrativas, como para o atendimento de deficientes. Sua iluminação é insuficiente e falta sinalização visual, sonora e Braile. Seu corpo funcional, levando-se em conta que é um espaço de cultura e cidadania, deveria estar apto para realizar atendimento em Língua Brasileira de Sinais (Libras), mas geralmente não está. As dificuldades acima citadas decorrem, em parte, do descaso dos governantes para com os museus e do pequeno repasse de verba para a manutenção e melhoria desses ambientes. Por esse motivo é que os museus, principalmente os públicos, encontram-se em condições distantes dos ideais de acessibilidade.


Pensar a acessibilidade
Algo a ser destacado na busca pela acessibilidade dos museus é o potencial dos estudos de público desses espaços, pois através dessas pesquisas podemos averiguar de que modo eles interagem com o ambiente e com os funcionários do museu, identificando quais os pontos fracos dessas interações. Outra ferramenta importantíssima que pode guiar o museólogo é a NBR 9050, norma de 2004 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que aborda a acessibilidade às edificações, aos mobiliários, bem como aos espaços e equipamentos urbanos. No entanto, nenhuma dessas ferramentas auxiliará um museólogo que não esteja preparado para lidar com a acessibilidade e, principalmente, que não a tenha como princípio. Nesse sentido, mais do que rampas, elevadores, pisos táteis e lupas, estamos tratando do museólogo enquanto gestor, tendo uma postura profissional que leve em conta a acessibilidade em cada tomada de decisões.

É motivo de orgulho saber que o Brasil está se tornando, pouco a pouco, mais acessível, além de apoiar a construção de sistemas educacionais inclusivos. Nosso país é considerado, segundo o padrão capitalista moderno, como emergente, porém jamais alcançara níveis adequados de desenvolvimento enquanto ainda tiver enraizado em seu interior qualquer forma de exclusão, seja ela física, estrutural, intelectual ou atitudinal.

Tanto os temas inclusão social como acessibilidade são cada vez mais tratados. Parece que apenas no final do século XX e início do século XXI é que esses assuntos começaram a repercutir, tanto na mídia, nas universidades, como na sociedade em geral. Apenas agora começamos a pensar nos deficientes como cidadãos que têm direito e necessitam efetivamente pertencer à sociedade. O museu, como uma instituição de circulação de informação, reflexão e produção de conhecimento, não pode ignorar essa questão. O museólogo, enquanto agente difusor da cultura, deve compreender a inclusão social e lutar pela sua disseminação.


REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050 – Acessibilidade a Edificações, Mobiliário, Espaços e Equipamentos Urbanos. 2. ed. Rio de Janeiro, 2004.

BRASIL. Viver Sem Limite: plano nacional dos direitos das pessoas com deficiência. 2011. Disponível em: <http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/arquivos/%5Bfield_generico_imagens-filefield-description%5D_0.pdf>. Acesso em: 07 nov. 2013.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

HARMONIA, SÓ QUE NÃO...


Multiculturalismo não significa harmonia
Em pleno século XXI, já sabemos que não somos fruto de uma única etnia, pois embora tenhamos maior afinidade ou semelhança física com uma etnia em especial – aquela a qual muitas vezes nos dizemos descendentes –, somos fruto de uma miscigenação que reverberou na construção de uma sociedade multicultural, influenciada pelas culturas dos mais diversos povos. No entanto, multiculturalismo não significa harmonia, uma vez que percebemos que o campo do patrimônio cultural é um espaço desarmônico, pois mesmo que vivamos em uma sociedade multicultural, as interações entre essas diversas culturas não são tão amigáveis. Este texto discute alguns acontecimentos apontados no documentário Harmonia, de Jaime Lerner, o qual aborda a luta entre tradicionalismo gaúcho e carnaval na construção de um Sambódromo no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, em Porto Alegre.

A partir da discussão sobre a construção de um sambódromo no parque da Harmonia, somos levados pelo filme a pensar nos embates étnicos que marcam a cultura e a história do povo gaúcho. O longa apresenta o projeto de construção do sambódromo de Porto Alegre na área do Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, conhecido como Parque da Harmonia, localizado próximo ao Centro da cidade. O problema é que os tradicionalistas, ferrenhos defensores da cultura gaúcha, se opuseram a essa ideia, pois alegavam que aquele espaço era de celebração das tradições gaúchas, âmbito em que o carnaval não se enquadra.

Tradicionalismo Gaúcho
Para melhor discutirmos sobre as tensões percebidas no longa, cabe alguns apontamentos acerca das duas celebrações, o tradicionalismo e o carnaval. O movimento tradicionalista, como mencionado no documentário, tem suas origens na década de 1940 e surgiu no âmbito acadêmico, sendo seus precursores estudantes do Colégio Júlio de Castilhos, à época uma referência para a educação gaúcha. Surgiu como uma forma de valorização da cultura gaúcha, relacionada à vida e aos hábitos do homem do campo, até então marginalizados. Embora erudito, o tradicionalismo valoriza a vida campeira, que remete à ideia do puro. O movimento, através de sua indumentária, parece defender uma essência pura, recatada, buscando representar a “verdadeira” origem simples e guerreira do homem do campo. Uma característica fortemente difundida é o sentimento de orgulho em ser gaúcho.

Carnaval
O carnaval, por sua vez, é essencialmente composto por elementos populares, evidenciando-se a forte presença de traços da cultura africana, identificados em suas roupas, letras de músicas e mesmo na grande quantidade de negros adeptos a esta festa. Ao contrário do movimento tradicionalista, o carnaval compõe-se enquanto uma explosão de cores, sabores e sensações, sendo sua essência impregnada de elementos que remetem à luxúria e aos prazeres mundanos. Em sua indumentária, predominam aspectos pagãos, evidenciados através de nudez e sensualidade, outra característica bastante contrária ao ideal do homem do campo, simples e recatado.

Um motivo que pode ter sido fundamental para a resistência dos tradicionalistas à construção do sambódromo é o imaginário sobre a etnia, o local e a nação, que, na construção de uma identidade, reforça as influências culturais de uma etnia e desconsidera os vestígios de outras. No caso analisado neste texto, do confronto entre o tradicionalismo e o carnaval, fica evidente o papel dessas festividades e celebrações como promotoras da construção imaginária ufanista do Rio Grande do Sul. Como apontado no filme, a cultura gaúcha apresenta mais características – ou pelo menos dá mais valor – dos povos indígenas do que vestígios dos povos africanos, sendo a provável explicação para esse fenômeno a semelhança entre a figura do gaúcho e a do índio.

Carnaval - Sensualidade e Exuberância
Tradicionalismo - Recatamento
e Simplicidade
Podemos acreditar que outro motivo para que os tradicionalistas tenham barrado a construção do sambódromo seja justamente a grande disparidade entre esses dois movimentos, uma vez que a sensualidade carnavalesca é agressiva aos olhos do tradicionalismo gaúcho. Como poderiam os tradicionalistas fortalecer sua origem pura, simples e recatada, se dividissem espaço com tanta gente seminua e exuberante desfilando? Nesse sentido, aqueles que não possuem uma semelhança física com o ideal cultural prevalecente devem ser esquecidos.

Outro motivo – e talvez o principal – para os tradicionalistas se oporem à construção do sambódromo no Parque da Harmonia é a sua localização. O parque se localiza em uma zona central da cidade, próximo a importantes vias de acesso e ao poder político do estado do Rio Grande do Sul. O centro é símbolo de poder, espaço privilegiado da cidade. Como sugerido por um dos tradicionalistas entrevistados no filme, o sambódromo deveria ser instalado na Restinga, bairro periférico da cidade. Anos após a filmagem do longa, já sabemos qual foi o resultado desse embate: o sambódromo não foi construído na Restinga, mas no Porto Seco, do outro lado da cidade, bem longe do Centro, do Parque da Harmonia e do poder político do estado. Assim como dois corpos não ocupam o mesmo espaço, também as etnias não apresentam um convívio harmônico ao serem misturadas.

Localização do Parque Maurício Sirotsky Sobrinho

O que percebemos é que, por mais que pertençamos a uma cultura híbrida, as etnias que a compõe não convivem em completa harmonia, pois o fortalecimento do ideal de uma cultura pode significar o enfraquecimento de outra. Nesse sentido, observamos a luta por espaços centrais dentro da cidade, sendo que a cultura perdedora, aquela que não consegue se consolidar com tanta força, acaba sendo jogada para a periferia, impedida de ocupar os mesmos espaços da cultura dominante. A questão é que o apelido Harmonia soa quase ironicamente, pois esse espaço já foi palco de muitas tensões e desarmonias entre as etnias que compõe a cultura gaúcha.
           
REFERENCIAS


HARMONIA. Diretor: Jaime Lerner. [Porto Alegre?], [2000?], 1 VHS (90 min), son., color.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O IMAGINÁRIO SOBRE A NAÇÃO E O ESQUECIMENTO DAS ETNIAS

Necessitamos viver em comunidade
Enquanto seres humanos, necessitamos viver em comunidades, para nos sentirmos fazendo parte de grupos sociais. A busca de uma identidade cultural é importante para que nos sintamos pertencentes a algo. Ao longo da história, diferentes grupos sociais interagiram uns com os outros, convergindo e transformando-se em comunidades híbridas, ou seja, formadas por uma mescla de culturas. A globalização, atualmente, é responsável por uma troca de informações que nos possibilita conhecer muito de um lugar sem nunca ter estado nele, bem como identificar traços de uma cultura a qual também não fazemos parte, facilitando essa hibridação cultural. No entanto, o que percebemos é que há uma tendência de se entender a noção de patrimônio nacional como algo “puro”, perseguindo aqueles traços culturais “típicos” e “genuínos” de nossa “verdadeira” cultura.

Somos multiculturais
Essa hibridação reverbera em tensões no campo do patrimônio cultural e da noção de identidade nacional, uma vez que nem sempre aquilo que é considerado como patrimônio realmente representa os cidadãos que fazem parte daquele lugar. Para Anjos (2008), o Brasil é uma nação multicultural e não podemos pensar de outra forma, pois ao longo de sua história, ele se constituiu através do cruzamento de diversos povos, pois passou por um período de escravidão, virou destino de várias etnias, além de já estar habitado pelos índios, seus reais descobridores. O autor ressalta que:


Uma nação se unifica pela sua cultura política, pela possibilidade de promover as diferenças culturais e pelo grau que essa integração dos diversos grupos permite aos indivíduos se projetarem nos espaços nacionais abertos. Isto é, os indivíduos precisam estar incrustados nas suas culturas, e estas protegidas, para que eles possam também se lançar e promover uma cultura política nacional. (ANJOS, 2008)

Cabe aqui lembrar de que modo se estabelece uma identidade cultural. Conforme Hall (1999), a identidade é algo formado ao longo do tempo por meio de processos inconscientes, ou seja, não é algo que nasce conosco, pois a construímos através de nossas experiências e perspectivas. O autor ressalta que esse processo ocorre sob a influência de ideais imaginários ou fantasiosos. A identidade, nesse sentido, está sempre em construção, sendo inadequado falarmos em termos de uma identidade pronta, pois, para o autor, deveríamos falar em um processo de identificação.

Stuart Hall
A construção dessa identidade é caracterizada pela busca de características e modos de vida típicos de nossa nação, sendo que esse processo é caracterizado pela escolha de determinadas características em detrimentos de outras. Como afirma Hall (1999), “[...] não importa quão diferentes seus membros possam ser em termos de classe, gênero ou raça, uma cultura nacional busca unificá-los numa identidade cultural, para representá-los todos como pertencendo à mesma e grande família nacional.”

As características que compõe essa identidade cultura da nação, por sua vez, estão intimamente ligadas ao nosso processo histórico. No contexto do Rio Grande do Sul, por exemplo, podemos citar a diferença de tratamento dado às etnias que compuseram sua história. Conforme Anjos (2008), quilombolas e indígenas foram povos que não tiveram tantas oportunidades quanto os eurodescentes, tais como italianos e alemães, pois esses últimos foram beneficiados por políticas afirmativas promovidas pelo governo, que lhes ofereceu terras. Conforme o autor, esse processo fez com que, hoje, a elite gaúcha seja formada em grande parte por descendentes de italianos e alemães.


Roberta Gomes
Mas o que essa diferença de tratamento tem a ver com identidade? A questão é que a desvalorização de determinadas etnias – em geral, as pertencentes às culturas populares – faz com que elas também sejam esquecidas no momento de definir quais são os símbolos, signos, tradições e monumentos que representam a identidade da nação. Percebemos que esse esquecimento – ou desvalorização – de algumas etnias também está presente no âmbito porto-alegrense, em que damos pouco destaque – provavelmente por desconhecimento - às contribuições dos negros na configuração cultural da cidade. Como nos informa Gomes (2012, p. 38):

O processo de colonização do Brasil, pautado no latifúndio, na monocultura e no trabalho escravo, levou ao silenciamento da cultura negra enquanto partícipe da identidade culturas de Porto Alegre, sendo colocada em desvantagem diante de ditas culturas hegemônicas, relacionadas comumente às representações europeias.

Livro "Turismo e Cidadania: a Redenção
das Africanidades em Porto Alegre"
de Roberta Fraga Machado Gomes

O que devemos perceber aqui é que há um paralelo entre o esquecimento de traços e contribuições de determinadas etnias e a construção da identidade nacional. Mais objetivamente, entendemos que a busca por uma identidade nacional única, pura, homogênea e conveniente resulta no esquecimento de etnias minoritárias. Nesse contexto, cabe aos profissionais que trabalham com cultura, identidade e patrimônio – especialmente museólogos e museotecários – a função de pesquisar e buscar compreender quais realmente são os traços e características da cultura a qual desejam representar, sendo que o seu trabalho talvez nunca seja perfeito, pois, como citado anteriormente, o patrimônio é um campo rodeado por tensões.

REFERÊNCIAS

ANJOS, José Carlos Gomes dos Anjos. Adverso 154, [Porto Alegre?], fev. 2008. Entrevista concedida a Maricélia Pinheiro.

GOMES, Roberta Fraga Machado. Turismo e Cidadania: a Redenção das africanidades em Porto Alegre. Porto Alegre: Bestiário, 2012.


HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-modernidade. 3. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

O IMAGINÁRIO E A CONSTRUÇÃO DO “KIT IDENTIDADE” GAÚCHO

O patrimônio cultural é fundamental em nosso processo de construção identitária, pois são os signos e símbolos representantes de nossa cultura que ajudam a fortalecer nosso sentimento de pertencimento a um determinado grupo social. Esse processo se caracteriza através de nossas relações sociais, bem como de nossa interação com o ambiente em que vivemos. No entanto, há um conjunto de signos e símbolos rígidos que consideramos como patrimônio cultural, pois são difundidos pelo Estado, influenciando nessa construção identitária.

Precisamos de diferenças que nos singularizem
Ao pensarmos no conceito de nação, devemos considerar que “[...] mesmo existindo suportes concretos e contínuos do que se concebe como nação (o território, a população e seus costumes etc.), em boa parte o que se considera como tal é uma construção imaginária.” (GARCÍA CANCLINI, 1994, p. 98) Nessa concepção, devemos ter em mente, ao pensarmos sobre as características da nossa cultura, que construímos nossa identidade cultural no dia a dia. Assim, cabe a colocação de Possamai (2013), ao nos lembrar o fato de que o patrimônio não é um conceito dado, pois se concretiza através da construção social feita por determinados sujeitos em determinadas situações, sendo também apropriado por outros sujeitos de maneiras diferentes das originais. Para a autora, a construção identitária de cada grupo social é calcada no apontamento de diferenças, ou seja, um grupo se caracteriza pelo diferencial que tem em comparação com outros grupos, de outros locais.


Fazemos parte de culturas híbridas
García Canclini (1994) discute as implicações que fatores como o desenvolvimento urbano, a mercantilização, o turismo e as indústrias culturais geram sobre a noção de patrimônio histórico, uma vez que temos cada vez mais contato com diferentes pessoas, de diferentes lugares e culturas, gerando um hibridismo cultural, pois nossa cultura não é apenas o resultado de nosso processo histórico, ao passo em que se transforma a cada contato que temos com outras culturas.


Néstor García Canclini
Porém, o que percebemos é que temos a tendência a, ao pensarmos em patrimônio cultural, lembrarmos apenas daquilo que configura nossa cultura mais tradicional, ou seja, os costumes, roupas e modos de vida que fazem parte do nosso desenvolvimento histórico, geralmente remetendo ao que é antigo, considerado tradicional. Desconsideramos, nesse processo, o fato de que interagimos a todo o momento com um ambiente transformado, que guarda os resquícios da história, mas também se recria através do contato com diferentes culturas. Conforme García Canclini (1997, p. 160), “Esse conjunto de bens e praticas tradicionais que nos identificam como nação ou como povo é apreciado como um dom, algo que recebemos do passado com tal prestígio simbólico que não cabe discuti-lo.” É como se a maioria de nós compreendêssemos o patrimônio cultural apenas como algo “herdado” do passado, de nossos antecessores, pois insistimos em posicioná-lo alheio à modernidade.

Talvez o principal motivo para essa percepção que fazemos de nossa cultura seja a atuação do Estado, que busca, através da disseminação de ideias e imaginários, reforçar nosso amor e fidelidade à pátria. Com esse intuito, muitas vezes o Estado defende e vangloria os movimentos tradicionalistas. Conforme García Canclini (1997), para o tradicionalismo, pior do que não compreender o patrimônio cultural é desertar dele, considerá-lo como não representante de nossa cultura, questionando a veracidade das representações por ele difundidas.


Zita Possamai


Possamai (2013) utiliza o termo “kit identidade” para se referir à construção da identidade nacional feita pelo Estado, que conta com características como a bandeira, o hino, a língua, o calendário cívico de datas comemorativas, entre outros. No contexto da cultura gaúcha, o “kit identidade” é configurado por objetos e costumes peculiares dos gaúchos – ou que, pelo menos, a maioria entende que sejam. Conforme Farinatti (2013):



Não há dúvida que há vários modos de sentir-se gaúcho. Mas é fato que a maioria deles passa pela identificação com o gaúcho como figura mítica, primeva, fundamental. Ele teria sido o “tipo social” por excelência da região da Campanha, mas também existente em outras áreas. Os gaúchos teriam sido homens destros nas lides campeiras, que viveriam entre o trabalho como peões nas estâncias e a luta nas inúmeras guerras de antigamente [...]

Nesse contexto, o autor ainda afirma que essa representação que se faz da figura do gaúcho serve para estabelecer uma diferença do restante do Brasil. Essa ideia fortalece a concepção de Possamai (2013) anteriormente apontada, na qual os grupos sociais constroem seus patrimônios culturais levando em conta o que os diferencia dos demais povos. Outro aspecto apontado pelo autor e que sintoniza com as ponderações de Canclini (1994) é que “Um lado bastante interessante do regionalismo é a busca de levar adiante aspectos de uma cultura local e não permitir que ela seja completamente submergida na padronização proposta pela globalização econômica e cultural.” (FARINATTI, 2013)

Todo gaúcho anda a cavalo?
As colocações acima expostas demonstram o papel do Estado na construção de ideias e imaginários acerca do que entendemos como sendo nosso patrimônio cultural. Como podemos perceber, ao pensarmos em nosso patrimônio cultural, geralmente desconsideramos as interações com outras culturas e lembrarmos apenas das nossas características mais tradicionais. Podemos arriscar o palpite de que um dos principais motivos para esse fenômeno é a busca pelo que nos diferencia, pelo que nos torna únicos e originais.

Em um mundo globalizado, é comum – e esperado – que tenhamos a necessidade de, em meio a disseminação de tantos modelos banais de cultura – geralmente advindas dos norte-americanos -, identificarmos aquilo que nos singulariza, as peculiaridades que, ao longo de nossa história, nos diferenciaram dos demais povos. Nessa concepção, cabe discutirmos o que realmente faz parte da nossa cultura, de modo a não aceitarmos conceitos prontos sobre quais bens culturais nos representam. Cabe ressaltarmos que o patrimônio cultural deveria inspirar reflexão, porém muitas vezes gera acomodação e consenso coletivo.

REFERÊNCIAS

FARINATTI, Luís Augusto. Os Gaúchos e os Outros. Diário Liberdade. set. 2011. Disponível em: < http://www.diarioliberdade.org/brasil/batalha-de-ideias/19743-luis-augusto-farinatti-os-gauchos-e-os-outros.html >. Acesso em: 22 set. 2013.

GARCÍA CANCLINI, Néstor. O Porvir do Passado. In: ______. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp, 1997. P. 159-204.

GARCÍA CANCLINI, Néstor. O Patrimônio Cultural e a Construção Imaginária do Nacional. Revista do Patrimônio Histórico Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 23, p. 95-115, 1994.

POSSAMAI, Zita Rosane. Patrimônio e Identidade: qual o lugar da História? In: GASPAROTTO, Alessandra; FRAGA, Hilda Jaqueline de; BERGAMASCHI, Maria Aparecida. (Org.). Ensino de História no Cone Sul: patrimônio cultural, territórios e fronteiras. Porto Alegre: Evangraf/UNIPAMPA, 2013. P. 87-98.

domingo, 22 de setembro de 2013

O HIBRIDISMO ARQUITETÔNICO DE FLORIANÓPOLIS A PARTIR DE 1930

As cidades e suas características arquitetônicas são de interesse dos estudos sobre patrimônio, uma vez que fazem parte dos bens culturais da sociedade. Com o passar do tempo, devido às dinâmicas sociais, elas passam por inúmeras transformações, se reinventando a todo o momento. Em seu artigo Patrimônio, arquitetura e estética urbana em Florianópolis a partir de 1930, Sabrina Fernandes Melo discute algumas manifestações arquitetônicas presentes em Florianópolis a partir de 1930.

A autora alega que na década de 1930 a cidade de Florianópolis passou por diversas transformações, que foram percebidas em sua arquitetura, até então caracterizada apenas pelo estilo clássico e que passou a incorporar características da modernidade. Percebemos, nesse período de transição, que o patrimônio arquitetônico de Florianópolis da época representava o momento pelo qual a cidade estava passando, caracterizado pela mescla do clássico com o moderno, o que resultou em um hibridismo arquitetônico.

O patrimônio cultural edificado fortalece certos traços da memória coletiva, tendo impacto na formação sócio-territorial dos indivíduos. Melo enaltece o fato de que essa implementação da estética modernista era utilizada no discurso político da época. Podemos inferir que um dos motivos pelo qual a modernidade foi utilizada nesse discurso político seja pelo fato de a modernidade estar associada à ideia de progresso.


A belíssima Ponte Hercílio Luz liga o continente à ilha de Florianópolis

O texto nos mostra que, apesar da importância dessa estética arquitetônica de Florianópolis, os prédios dessa época não são devidamente contemplados nas políticas patrimoniais da cidade, acarretando na presença de um patrimônio “invisibilizado”. A autora ressalta que a arquitetura pode transparecer a permanência ou ruptura com a tradição. Percebemos, nesse sentido, o papel da arquitetura dos espaços públicos na sociabilidade, enquanto produtora de discursos, sendo utilizada para elucidar um ideal que se deseja consagrar no imaginário sobre a cidade.

REFERÊNCIA

MELO, Sabrina Fernandes. Patrimônio, Arquitetura e Estética Urbana em Florianópolis a partir de 1930. Mouseion, n. 12, maio/ago. 2012, p. 105-117.