Necessitamos viver em comunidade |
Enquanto seres humanos, necessitamos viver em
comunidades, para nos sentirmos fazendo parte de grupos sociais. A busca de uma
identidade cultural é importante para que nos sintamos pertencentes a algo. Ao
longo da história, diferentes grupos sociais interagiram uns com os outros,
convergindo e transformando-se em comunidades híbridas, ou seja, formadas por
uma mescla de culturas. A globalização, atualmente, é responsável por uma troca
de informações que nos possibilita conhecer muito de um lugar sem nunca ter
estado nele, bem como identificar traços de uma cultura a qual também não
fazemos parte, facilitando essa hibridação cultural. No entanto, o que
percebemos é que há uma tendência de se entender a noção de patrimônio nacional
como algo “puro”, perseguindo aqueles traços culturais “típicos” e “genuínos”
de nossa “verdadeira” cultura.
Somos multiculturais |
Essa hibridação reverbera em tensões no campo do
patrimônio cultural e da noção de identidade nacional, uma vez que nem sempre
aquilo que é considerado como patrimônio realmente representa os cidadãos que
fazem parte daquele lugar. Para Anjos (2008), o Brasil é uma nação
multicultural e não podemos pensar de outra forma, pois ao longo de sua
história, ele se constituiu através do cruzamento de diversos povos, pois
passou por um período de escravidão, virou destino de várias etnias, além de já
estar habitado pelos índios, seus reais descobridores. O autor ressalta que:
Uma nação se unifica pela sua
cultura política, pela possibilidade de promover as diferenças culturais e pelo
grau que essa integração dos diversos grupos permite aos indivíduos se
projetarem nos espaços nacionais abertos. Isto é, os indivíduos precisam estar
incrustados nas suas culturas, e estas protegidas, para que eles possam também
se lançar e promover uma cultura política nacional. (ANJOS, 2008)
Cabe aqui lembrar de que modo se estabelece uma
identidade cultural. Conforme Hall (1999), a identidade é algo formado ao longo
do tempo por meio de processos inconscientes, ou seja, não é algo que nasce
conosco, pois a construímos através de nossas experiências e perspectivas. O
autor ressalta que esse processo ocorre sob a influência de ideais imaginários
ou fantasiosos. A identidade, nesse sentido, está sempre em construção, sendo
inadequado falarmos em termos de uma identidade pronta, pois, para o autor,
deveríamos falar em um processo de identificação.
Stuart Hall |
A construção dessa identidade é caracterizada pela
busca de características e modos de vida típicos de nossa nação, sendo que esse
processo é caracterizado pela escolha de determinadas características em
detrimentos de outras. Como afirma Hall (1999), “[...] não importa quão
diferentes seus membros possam ser em termos de classe, gênero ou raça, uma
cultura nacional busca unificá-los numa identidade cultural, para
representá-los todos como pertencendo à mesma e grande família nacional.”
As características que compõe essa identidade cultura
da nação, por sua vez, estão intimamente ligadas ao nosso processo histórico. No
contexto do Rio Grande do Sul, por exemplo, podemos citar a diferença de
tratamento dado às etnias que compuseram sua história. Conforme Anjos (2008),
quilombolas e indígenas foram povos que não tiveram tantas oportunidades quanto
os eurodescentes, tais como italianos e alemães, pois esses últimos foram
beneficiados por políticas afirmativas promovidas pelo governo, que lhes
ofereceu terras. Conforme o autor, esse processo fez com que, hoje, a elite
gaúcha seja formada em grande parte por descendentes de italianos e alemães.
Roberta Gomes |
Mas o que essa diferença de tratamento tem a ver com
identidade? A questão é que a desvalorização de determinadas etnias – em geral,
as pertencentes às culturas populares – faz com que elas também sejam
esquecidas no momento de definir quais são os símbolos, signos, tradições e
monumentos que representam a identidade da nação. Percebemos que esse
esquecimento – ou desvalorização – de algumas etnias também está presente no
âmbito porto-alegrense, em que damos pouco destaque – provavelmente por
desconhecimento - às contribuições dos negros na configuração cultural da
cidade. Como nos informa Gomes (2012, p. 38):
O processo de colonização do Brasil,
pautado no latifúndio, na monocultura e no trabalho escravo, levou ao
silenciamento da cultura negra enquanto partícipe da identidade culturas de
Porto Alegre, sendo colocada em desvantagem diante de ditas culturas
hegemônicas, relacionadas comumente às representações europeias.
Livro "Turismo e Cidadania: a Redenção das Africanidades em Porto Alegre" de Roberta Fraga Machado Gomes |
O que devemos perceber aqui é que há um paralelo
entre o esquecimento de traços e contribuições de determinadas etnias e a
construção da identidade nacional. Mais objetivamente, entendemos que a busca
por uma identidade nacional única, pura, homogênea e conveniente resulta no
esquecimento de etnias minoritárias. Nesse contexto, cabe aos profissionais que
trabalham com cultura, identidade e patrimônio – especialmente museólogos e
museotecários – a função de pesquisar e buscar compreender quais realmente são
os traços e características da cultura a qual desejam representar, sendo que o
seu trabalho talvez nunca seja perfeito, pois, como citado anteriormente, o
patrimônio é um campo rodeado por tensões.
REFERÊNCIAS
ANJOS, José Carlos Gomes dos
Anjos. Adverso 154, [Porto Alegre?],
fev. 2008. Entrevista concedida a Maricélia Pinheiro.
GOMES, Roberta Fraga
Machado. Turismo e Cidadania: a
Redenção das africanidades em Porto Alegre. Porto Alegre: Bestiário, 2012.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-modernidade.
3. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.
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