quarta-feira, 1 de julho de 2015

OS MUSEUS BRASILEIROS NO SÉCULO XIX

As instituições museológicas passaram por mutações ao longo do tempo, pois durante certo período serviram para saciar a curiosidade do visitante, apresentando-lhe algo peculiar ou ilustrativo. Após algum tempo, entretanto, os museus passaram a atuar a favor da ciência (JULIÃO, 2006), acarretanto no surgimento de instituições voltadas à pesquisa de ciências naturais. O século XIX, para Bastos (2002), foi a idade de ouro dos museus, quando se tornaram templos da cultura da humanidade e afirmação da nação, orgulhosa de ter seu local de culto da história como símbolo da paisagem urbana.

Como consequência da Revolução Francesa, o século XVIII foi marcado por uma acepção moderna de museu, que se consolidou no século XIX, através da criação de instituições com espírito nacional, imbuídos de uma ambição pedagógica, formando o cidadão através do conhecimento do passado, participando da construção das nacionalidades (JULIÃO, 2006). Os museus se caracterizavam como fenômenos tipicamente urbanos, refletindo tomadas de consciência dos valores da razão, da civilização e do Império, além do novo espírito científico (LOPES, 2005).

Conforme Julião (2006), ocorreram várias viagens para o Brasil e pesquisas de naturalistas estrangeiros, resultando em relatos com descrições do meio físico, da flora, da fauna e dos nativos do local, bem como grandes remessas de acervo brasileiro para instituições de caráter museológico e científico na Europa. O interesse dos portugueses em explorar a história natural de suas colônias, conforme Lopes (2005), veio do declínio da mineração do ouro brasileiro, da revalorização da política agrícola, da necessidade de reação à crise econômica do consulado pombalino, da demanda de matérias-primas cobradas pela Revolução Industrial e do enfrentamento da concorrência com os produtos antilhanos. O Brasil também fez parte desse processo, marcando presença no que os autores chamam de “Era dos Museus”:

[...] os museus foram os locais profícuos para a introdução e desenvolvimento de um saber especializado, que propunha estabelecer a posição do homem brasileiro na escala evolutiva da humanidade, gerindo o debate acerca da possibilidade do Brasil vir a ser um país “civilizado”. (LANGER; RANKEL, 2015).


Museu Nacional
Em 1818, compondo as iniciativas culturais de D. João VI, é criado o Museu Real (atualmente denominado Museu Nacional), composto de pequena coleção de história natural doada pelo monarca. A respeito desse Museu, cabe destacarmos que, no processo de sua criação, foi fundamental a relação entre Brasil e Portugal, pois havia um envio de produtos e espécimes do Brasil para Portugal (LOPES, 2005), como uma forma do centro tomar conhecimento sobre as riquezas e características desse país periférico. Esse Museu atuou como centro irradiador e de apoio às atividades de ensino formal e, conforme Lopes (2005, p. 32), era provedor dos museus europeus, caracterizando-se como:

[...] misto de gabinete de curiosidades e novo Museu de História Natural, possuía salas de aulas, gabinetes para a História Natural dos reinos mineral, vegetal e animal, gabinetes para medalhas, marfins, panos e sedas, gabinetes para pinturas e manufaturas, gabinetes de embarcações, vestidos e armas, gabinetes para antiguidades, biblioteca e “cozinha” para as preparações.

Destacamos também a criação de outros museus que, assim como o Museu Real, apresentam caráter etnográfico: o Museu Paranaense Emílio Goeldi (1866) e o Museu Paulista (1894), conhecido como Museu do Ipiranga. Essas instituições, conforme Julião (2006), apresentavam pretensões enciclopédicas, dedicados à pesquisa em ciências naturais, por meio da coleta, estudo e exibição de coleções naturais, de paleontologia, etnografia e arqueologia. Esses museus exaltavam a nação, pois celebravam suas riquezas e a exuberância de sua fauna e flora, embora a questão da nacionalidade tenha sido melhor contemplada pelo Museu Histórico Nacional, criado em 1922, consagrado à pátria, à história e a representação da nacionalidade, objetivando educar o povo (JULIÃO, 2006). Esses museus, conforme Lopes (2005), seguiam o molde europeu de museu metropolitano e universal.

Museu Paranaense
Criados dentro de um “espírito nacional”, esses museus possuíam forte ambição pedagógica, conferindo sentimento de antiguidade à nação, atuando no processo de construção das nacionalidades (JULIÃO, 2006). O Museu Paranaense, assunto do texto de Langer e Rankel (2015), foi criado em 1876, era privado e possuía um caráter histórico e de ciências naturais, contendo produtos da flora provincial, amostras de minerais e outros objetos raros. Para Langer e Rankel (2015), a instituição ajudava a fortalecer a imagem de progresso que se desejava atribuir ao Paraná, afirmando-se como centro cultural da província. Atuou no incentivo à produção agrícola no Paraná, bem como nas políticas migratórias para o estado.

Também destacamos a atuação do Pedagogium (fundado em 1890), fruto da instituição da República Brasileira, enquanto símbolo da modernidade educacional, centrando suas funções no ensino primário, além de disseminar a criação de museus escolares (BASTOS, 2002). No Rio de Janeiro foi criado, em 1883, o primeiro museu escolar da América Latina, em decorrência da Exposição Pedagógica. Esses museus, conforme Bastos (2002), vinculam-se ao método do ensino intuitivo – lição de coisas, permitindo a visualização real e concreta daquilo que era abordado nas aulas, especialmente pensando para a capacitação de professores.

Como podemos perceber, os museus brasileiros do século XIX eram fortemente influenciados e marcados pela presença de acervos e práticas que remetiam à educação e à pesquisa científica, enquanto símbolos de civilização e desenvolvimento. O país, nesse sentido, se utilizou dessas instituições para reforçar uma imagem de nação desenvolvida e culta, seguindo o molde dos museus europeus.

REFERÊNCIAS

BASTOS, Maria Helena Câmara. Pedagogium: templo da modernidade educacional republicana brasileira (1890-1919). In: ______. Pro Patria Laboremus: Joaquim José de Menezes Vieira (1848-1897). Bragança Paulista: EDUSF, 2002. P. 251-315.

JULIÃO, Letícia. Apontamentos Sobre a História do Museu. Caderno de Diretrizes Museológicas I. Brasília: Ministério da Cultura/ Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/ Departamento de Museus e centros Culturais. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais, Superintendência de Museus, 2006. p. 19-32.

LANGER, Johni; RANKEL, Luiz Fernando. A Criação do Museu Paranaense: ciência e cultura material no Brasil Império. Revista Museu. Disponível em: < www.revistamuseu.com.br/artigos/art_.asp?id=34320 >. Acesso em: 20 jun. 2015.

LOPES, Maria Margaret. Os Antecedentes, a Constituição e os Primeiros Anos do Museu Nacional do Rio de Janeiro. In: ______. O Brasil Descobre a Pesquisa Científica: os museus e as Ciências Naturais no século XIX. [São Paulo?]: Ed. Hucitec, 2005. P. 25-84.