Os museus são responsáveis por trabalhar
a memória da sociedade e, para tanto, eles estão calcados nas atividades de
pesquisa, conservação e exposição dos bens culturais. Os bens culturais de que
são detentores compõem a coleção do museu e são agrupados de acordo com
determinados critérios. O museu é composto por essas coleções, sendo um
conjunto de objetos naturais ou artificiais, mantido temporariamente ou
definitivamente fora do circuito comercial e recebendo proteção especial em local
fechado e preparado para isso, além de ser exposto ao olhar do público (POMIAN,
1984). Apesar delas comporem o museu, ele não se resume a coleções. Ou seja: ele
é muito mais do que um agrupamento de obras, pois possui um papel social que
está para além de seu caráter detentor de bens culturais.
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Os museus são utilizados no discurso de identidade nacional. |
A configuração dos museus como hoje
os conhecemos remonta ao século XVIII, com o surgimento dos estados nacionais
europeus, momento em que essas instituições se consagraram como espaços de
preservação do “patrimônio” e da “herança” da nação (ALMEIDA, 2001). Nesse
sentido, os museus foram fortemente utilizados para enraizar discursos sobre a
identidade nacional – mesmo quando inventada, o que percebemos que permanece
até hoje, enfatizando os museus como espaços de tensão entre diferentes atores
e grupos sociais.
Entretanto, a consolidação dos
estados nacionais não foi o único cenário de surgimento desses museus, pois,
como elucida Almeida (2001, p. 126-127), “[...] a criação dos museus
contemporâneos é também tributária de um outro fenômeno, o colecionismo [...]
como prática social já havia instituído princípios que foram amplamente
incorporados pelos ‘novos’ museus.” Desse modo, a prática de colecionar foi
fundamental para a implementação dos museus como hoje conhecemos.
Não há, de acordo com Pomian (1984),
um número mínimo determinado de objetos para se compor uma coleção. Segundo o
autor, a escolha desses itens depende de diversos fatores, tais como o local em
que são acumulados, o estado da sociedade, suas técnicas e modos de vida,
capacidade de produção e acumulo de excedentes, importância da comunicação
atribuída ao visível e ao invisível através dos objetos, dentre outros.
Os objetos podem possuir um valor de utilidade, de significado ou ambos.
Uma das características das obras de coleções é que não possuem mais valor de
uso, mas sim valor de significado. A esse respeito, Pomian (1984) destaca que
esses valores são atribuídos tendo em conta a perspectiva de um observador,
pois são relações que, através dos objetos, os indivíduos ou grupos mantém com
seus ambientes visíveis ou invisíveis. Para Almeida (2001), tanto os objetos do
museu como os de coleções particulares são “reconstruídos” quando passam pelo
olhar de seus visitantes.
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É necessário uma análise profunda antes de negociar obras de museus |
Um fator determinante na diferenciação entre coleções e museus é a
questão do público e do privado. O museu tem a responsabilidade de agrupar
essas obras porque há uma pressão sobre o Estado para que permita o acesso a
esses bens por parte dos indivíduos que não podem comprá-los. Também cabe
destacarmos que o museu, embora seja composto por coleções e tenha se
desenvolvido através delas, não pertence ao âmbito comercial do mercado de
obras de arte. Ao contrário de obras que compõe coleções particulares, que
podem ser vendidas e negociadas a bel prazer do proprietário, as obras de
museus públicos não podem ser vendidas – ou pelo menos, não sem se analisar com
muito cuidado as perdas e ganhos da negociação, uma vez que elas pertencem à
população como um todo. Se elas remetem à história e à memória da população, o
seu valor simbólico suplanta definitivamente o valor comercial. Nas palavras de
Pomian (1984, p. 84): “Exatamente porque o museu é um depósito de tudo aquilo
que de perto ou de longe está ligado à história nacional, os objetos que aí se
encontram devem ser acessíveis a todos; e pela mesma razão, devem ser
preservados.”
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Nem toda coleção representa a sociedade civil |
Por fim, ressaltamos que, para compor uma coleção particular,
não há pré-requisitos que as obras devem cumprir, pois o proprietário pode
querê-las por serem raras, belas ou mesmo por especulação. Muito ao contrário é
a peça que compõe uma coleção de um museu público, pois esta precisa ser
criteriosamente analisada no que tange à relevância dela enquanto representante
da sociedade civil. Nesse sentido, destacamos a importância da pesquisa no
museu, pois é através do estudo do objeto que nós o contextualizamos,
ressignificando-o e ressemantizando-o perante a população.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Cícero Antônio Fonseca de. O Colecionismo Ilustrado
na Gênese dos Museus Contemporâneos. Anais
do Museu Histórico Nacional, v. 33, 2001.
POMIAN, Krzysztof.
Colecção. In: Enciclopédia
Einaudi. v. 1 (Memória-História). Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda,
1984. p. 51-86.