sábado, 28 de março de 2015

COLECIONISMO E MUSEUS


Os museus são responsáveis por trabalhar a memória da sociedade e, para tanto, eles estão calcados nas atividades de pesquisa, conservação e exposição dos bens culturais. Os bens culturais de que são detentores compõem a coleção do museu e são agrupados de acordo com determinados critérios. O museu é composto por essas coleções, sendo um conjunto de objetos naturais ou artificiais, mantido temporariamente ou definitivamente fora do circuito comercial e recebendo proteção especial em local fechado e preparado para isso, além de ser exposto ao olhar do público (POMIAN, 1984). Apesar delas comporem o museu, ele não se resume a coleções. Ou seja: ele é muito mais do que um agrupamento de obras, pois possui um papel social que está para além de seu caráter detentor de bens culturais.

Os museus são utilizados no discurso de identidade nacional.
A configuração dos museus como hoje os conhecemos remonta ao século XVIII, com o surgimento dos estados nacionais europeus, momento em que essas instituições se consagraram como espaços de preservação do “patrimônio” e da “herança” da nação (ALMEIDA, 2001). Nesse sentido, os museus foram fortemente utilizados para enraizar discursos sobre a identidade nacional – mesmo quando inventada, o que percebemos que permanece até hoje, enfatizando os museus como espaços de tensão entre diferentes atores e grupos sociais.

Entretanto, a consolidação dos estados nacionais não foi o único cenário de surgimento desses museus, pois, como elucida Almeida (2001, p. 126-127), “[...] a criação dos museus contemporâneos é também tributária de um outro fenômeno, o colecionismo [...] como prática social já havia instituído princípios que foram amplamente incorporados pelos ‘novos’ museus.” Desse modo, a prática de colecionar foi fundamental para a implementação dos museus como hoje conhecemos.

Não há, de acordo com Pomian (1984), um número mínimo determinado de objetos para se compor uma coleção. Segundo o autor, a escolha desses itens depende de diversos fatores, tais como o local em que são acumulados, o estado da sociedade, suas técnicas e modos de vida, capacidade de produção e acumulo de excedentes, importância da comunicação atribuída ao visível e ao invisível através dos objetos, dentre outros.

Os objetos podem possuir um valor de utilidade, de significado ou ambos. Uma das características das obras de coleções é que não possuem mais valor de uso, mas sim valor de significado. A esse respeito, Pomian (1984) destaca que esses valores são atribuídos tendo em conta a perspectiva de um observador, pois são relações que, através dos objetos, os indivíduos ou grupos mantém com seus ambientes visíveis ou invisíveis. Para Almeida (2001), tanto os objetos do museu como os de coleções particulares são “reconstruídos” quando passam pelo olhar de seus visitantes.

É necessário uma análise profunda antes
de negociar obras de museus
Um fator determinante na diferenciação entre coleções e museus é a questão do público e do privado. O museu tem a responsabilidade de agrupar essas obras porque há uma pressão sobre o Estado para que permita o acesso a esses bens por parte dos indivíduos que não podem comprá-los. Também cabe destacarmos que o museu, embora seja composto por coleções e tenha se desenvolvido através delas, não pertence ao âmbito comercial do mercado de obras de arte. Ao contrário de obras que compõe coleções particulares, que podem ser vendidas e negociadas a bel prazer do proprietário, as obras de museus públicos não podem ser vendidas – ou pelo menos, não sem se analisar com muito cuidado as perdas e ganhos da negociação, uma vez que elas pertencem à população como um todo. Se elas remetem à história e à memória da população, o seu valor simbólico suplanta definitivamente o valor comercial. Nas palavras de Pomian (1984, p. 84): “Exatamente porque o museu é um depósito de tudo aquilo que de perto ou de longe está ligado à história nacional, os objetos que aí se encontram devem ser acessíveis a todos; e pela mesma razão, devem ser preservados.”

Nem toda coleção representa a
sociedade civil
Por fim, ressaltamos que, para compor uma coleção particular, não há pré-requisitos que as obras devem cumprir, pois o proprietário pode querê-las por serem raras, belas ou mesmo por especulação. Muito ao contrário é a peça que compõe uma coleção de um museu público, pois esta precisa ser criteriosamente analisada no que tange à relevância dela enquanto representante da sociedade civil. Nesse sentido, destacamos a importância da pesquisa no museu, pois é através do estudo do objeto que nós o contextualizamos, ressignificando-o e ressemantizando-o perante a população.



REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Cícero Antônio Fonseca de. O Colecionismo Ilustrado na Gênese dos Museus Contemporâneos. Anais do Museu Histórico Nacional, v. 33, 2001.


POMIAN, Krzysztof.  Colecção. In: Enciclopédia Einaudi. v. 1 (Memória-História). Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1984. p. 51-86.

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